“Todos os grandes líderes têm tido um pecado característico em comum: a disposição para confrontar inequivocamente; isto é a essência da liderança.”
John K. Galbraith
Confrontar ancorado na verdade ou navegar através das ondas da mentira?
Essa pergunta, aparentemente simples, revela um dos maiores dilemas do mundo corporativo contemporâneo: o medo do confronto honesto. Em organizações de todos os tamanhos, é comum observar profissionais altamente qualificados — inclusive executivos de alto escalão — que evitam expressar suas ideias com franqueza, sobretudo quando estas contrariam o senso comum, a narrativa dominante ou a opinião da autoridade formal.
O silêncio, nesses casos, raramente é fruto de ignorância. Ele nasce do receio de exposição, da aversão ao conflito, do medo de retaliações veladas ou explícitas. E aqui surge uma provocação inevitável: é possível chamar de liderança uma posição que se sustenta na omissão?
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O custo silencioso da não confrontação
Estima-se que mais de 80% dos executivos seniores, por temerem o confronto, escondem-se atrás das “verdades estabelecidas”. Preferem a segurança da conformidade à responsabilidade da discordância. Esse comportamento, embora compreensível do ponto de vista humano, é devastador do ponto de vista organizacional.
A história recente está repleta de exemplos trágicos que poderiam ter sido evitados se a franqueza tivesse prevalecido:
- Os acidentes fatais envolvendo o Ford Explorer com pneus Firestone nos anos 1990;
- As mortes causadas pelos airbags defeituosos da Takata, que levaram à maior convocação de recall da história automotiva e à falência da empresa em 2018;
- As tragédias ambientais de Mariana e Brumadinho, envolvendo a Vale, com impactos humanos, ambientais e reputacionais irreparáveis.
É difícil acreditar que, em organizações desse porte, ninguém soubesse dos riscos. O mais provável é que muitos soubessem — e preferiram calar-se.
O paradoxo: o silêncio que protege carreiras e destrói organizações
No curto prazo, o silêncio pode parecer uma estratégia inteligente de autopreservação. No médio e longo prazo, ele se transforma em um passivo moral, estratégico e reputacional. Empresas não quebram apenas por más decisões; muitas quebram porque boas decisões nunca chegaram à mesa.
Esse fenômeno é amplamente estudado sob conceitos como groupthink, conformismo organizacional, cultura do medo e liderança defensiva. Mas, na prática, ele se manifesta de forma simples: as pessoas dizem o que é seguro dizer, não o que precisa ser dito.
Confrontar é desconfortável — mas é transformador
Por outro lado, a história da inovação é escrita por aqueles que ousaram questionar, confrontar e desafiar o status quo. É difícil imaginar o mundo atual sem as grandes inovações das últimas décadas: automação industrial, computadores pessoais, internet, smartphones, redes sociais, inteligência artificial.
Todas elas nasceram da coragem de contrariar o óbvio, de enfrentar resistências, de sustentar ideias impopulares no início. Não por acaso, esse espírito é facilmente observado no ecossistema das startups.
Empresas que começaram como ideias desacreditadas transformaram-se em gigantes globais e “unicórnios”, como Uber, SpaceX, Spotify, Nubank, iFood, PagSeguro e 99. Todas, sem exceção, desafiaram modelos estabelecidos — e pagaram o preço do confronto antes de colher os frutos da inovação.
Por que grandes corporações inovam menos?
A resposta não está na falta de inteligência, talento ou recursos. Ela está na cultura organizacional.
Muitas empresas não apenas deixam de estimular o confronto construtivo como, de forma implícita, punem quem ousa questionar. Lideranças inseguras confundem discordância com afronta. Questionamento com deslealdade. Confronto com ameaça.
Pesquisas indicam que mais de 80% das lideranças evitam levantar questões polêmicas, mesmo quando percebem riscos claros. O resultado é um ambiente de aparente harmonia, mas de profunda estagnação.
Conflito construtivo: a competência que diferencia líderes maduros
É fundamental fazer uma distinção clara: confrontar não é agredir, impor ou desrespeitar. Confrontar, quando ancorado na verdade e no propósito, é um ato de responsabilidade.
O chamado conflito construtivo é uma das competências mais sofisticadas da liderança contemporânea. Ele permite:
- Antecipar riscos e evitar decisões catastróficas;
- Elevar a qualidade do pensamento estratégico;
- Criar soluções mais robustas e inovadoras;
- Fortalecer a confiança e a maturidade das equipes.
Ambientes onde a franqueza é estimulada tendem a ser mais adaptáveis, resilientes e sustentáveis.
O papel decisivo da mentoria e do coaching executivo
Aqui, a mentoria e o coaching executivo assumem um papel central.
Ao longo de processos de mentoria com CEOs, diretores e executivos C-level, um padrão se repete: muitos líderes sabem o que precisa ser dito, mas não sabem como dizer — ou para quem dizer.
A mentoria cria um espaço seguro para:
- Elaborar pensamentos difíceis;
- Diferenciar emoção de argumento;
- Desenvolver coragem emocional e clareza moral;
- Aprender a confrontar sem destruir relações.
O coaching executivo, por sua vez, ajuda o líder a alinhar discurso, comportamento e valores, fortalecendo sua identidade e reduzindo a dependência da aprovação externa.
Líderes que passam por esse processo aprendem que evitar o confronto não os protege — apenas posterga problemas.
A liderança como ponto de partida da mudança cultural
Não há cultura de franqueza sem liderança exemplar. O comportamento dos líderes é o verdadeiro manual da organização.
Criar um ambiente onde o confronto construtivo seja possível exige atitudes concretas:
- Abrir espaços explícitos para o questionamento;
- Escutar sem julgamento defensivo;
- Recompensar a coragem intelectual;
- Tratar o erro como aprendizado, não como culpa.
Mais do que discursos, são as atitudes diárias que ensinam se a verdade é bem-vinda ou apenas tolerada.
Em processos de mentoria executiva, é recorrente perceber que o maior bloqueio dos líderes não é técnico, mas emocional: o medo de confrontar. A mentoria não ensina o que dizer — ela ajuda o líder a sustentar quem ele é quando precisa dizer. Esse é o verdadeiro amadurecimento da liderança.
A verdade como âncora em tempos turbulentos
Vivemos em um mundo corporativo cada vez mais complexo, volátil e incerto. Navegar por essas águas exige mais do que competência técnica; exige coragem moral.
Confrontar ancorado na verdade não é um risco — é uma necessidade. O verdadeiro risco está em navegar pelas ondas confortáveis da mentira, da omissão e do silêncio conveniente.
Como nos lembra Platão:
“Uma vida não questionada não merece ser vivida.”
O mesmo vale para organizações que desejam sobreviver, evoluir e deixar um legado.

