Muitos líderes se perdem não por falta de competência, mas por falta de consciência. Vivem no automático, desconectados das próprias emoções e das consequências de suas escolhas. Ao reler 𝘖 𝘌𝘴𝘵𝘳𝘢𝘯𝘨𝘦𝘪𝘳𝘰, de Albert Camus, enxerguei nele um espelho incômodo — e extremamente atual — sobre como executivos podem se tornar estrangeiros de si mesmos, de suas equipes e da própria liderança.
No artigo, analiso a obra a partir do conceito de 𝗹𝗶𝗱𝗲𝗿𝗮𝗻ç𝗮 𝗲𝘅𝗶𝘀𝘁𝗲𝗻𝗰𝗶𝗮𝗹, mostrando como a narrativa de Camus revela erros silenciosos, porém muito comuns, no mundo corporativo moderno.
Talvez você se identifique. Talvez se surpreenda. Ou talvez perceba que, em algum momento, também caminhou sob o mesmo “sol” que turva a consciência.
Boa leitura e boas reflexões.
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Albert Camus escreveu O Estrangeiro em 1942, e desde então o romance se tornou um dos pilares da literatura existencialista. A história de Meursault, um homem apático diante da vida e das expectativas sociais, provoca o leitor a refletir sobre propósito, significado, decisões e responsabilidade. Quando lemos essa obra pela lente do mundo corporativo e da vida executiva, percebemos algo valioso: apesar de vivermos cercados de metas, relatórios e narrativas de alta performance, muitos profissionais se comportam como “estrangeiros” de si mesmos — desconectados, automáticos, sobrevivendo ao invés de liderar.
Às vezes, o maior julgamento que enfrentamos não vem do tribunal — vem de nós mesmos.
Neste artigo, utilizo a obra de Camus como metáfora para compreender comportamentos corporativos e refletir sobre autenticidade, escolhas e o peso das ausências.
Resumo da obra ( sem spoilers irrelevantes, mas com a profundidade necessária)
Meursault é um francês que vive na Argélia colonial. A morte da mãe, logo no início do livro, funciona como o disparador de uma jornada que, paradoxalmente, revela sua falta de jornada interior. Ele não chora. Não revela dor. Não demonstra vínculo. Parece alheio a tudo.
A vida segue: o trabalho, um relacionamento sem profundidade, amizades triviais. Meursault reage sempre de modo literal, factual, sem emoções. Ele não interpreta, não questiona, não se posiciona. Apenas… existe.
Até que, em um impulso confuso causado pelo sol, pelo calor e pela falta de consciência emocional, ocorre o episódio central: Meursault mata um homem na praia. No julgamento, percebe que o tribunal está menos interessado no crime em si do que na sua ausência de luto pela mãe, na sua postura, nos seus silêncios.
Camus mostra que, para a sociedade, não ser “como esperam” muitas vezes pesa mais do que os próprios atos.
Por que falar disso no mundo corporativo?
Porque a história de Meursault é, simbolicamente, a história de muitos líderes e profissionais que:
- se desconectam das próprias emoções,
- agem no automático,
- não assumem responsabilidade plena pelas escolhas,
- não percebem o impacto de sua ausência emocional na equipe,
- se tornam estrangeiros dentro da organização — e dentro de si mesmos.
O existencialismo de Camus não fala apenas de filosofia; ele fala de escolhas conscientes. E, no mundo corporativo, escolher é um ato de liderança.
1. A apatia de Meursault e o “líder automático”
Meursault vive sem escolher. Suas respostas são protocolares, literais, desidratadas de emoção. Quantas vezes vemos:
- gestores que não conversam com a equipe,
- diretores que respondem tudo com “ok”,
- profissionais que se tornaram máquinas de planilhas,
- líderes que não percebem que sentir também é parte do trabalho?
No existencialismo, não escolher já é uma escolha. E pagar esse preço é inevitável.
No corporativo, o líder que não se posiciona cedo ou tarde enfrentará seu “tribunal”: a equipe desmotivada, o clima deteriorado, a reputação abalada.
2. A morte da mãe e o tema da autenticidade
Meursault não mente, não finge emoção, não interpreta o papel social esperado — e isso o condena mais do que o crime. A ausência de performance emocional é vista como falha moral.
Aqui está uma crítica que o mundo corporativo conhece bem:
As pessoas são contratadas pelas competências técnicas e demitidas pelos traços comportamentais — ou pela falta de autenticidade.
Em inúmeras mentorias que conduzi, notei que líderes que tentam se encaixar em modelos artificiais acabam perdendo força, credibilidade e energia.
Mas há outro extremo: profissionais que confundem autenticidade com insensibilidade, justificando apatia como “sou assim mesmo”.
O equilíbrio saudável exige consciência emocional
3. O sol de Camus e o calor das pressões corporativas
A famosa cena da praia é uma metáfora poderosa. Camus descreve o sol como um agressor. O calor turva a razão, aliena Meursault, empurra-o para um ato impulsivo.
No corporativo, o “sol” são as pressões:
- metas irreais,
- agendas lotadas,
- falta de reflexão,
- decisões tomadas na exaustão.
Líderes que operam sob calor constante agem como Meursault: não escolhem, reagem.
E decisões reativas quase sempre cobram um preço alto.
4. O julgamento: quando o ambiente avalia o que você não fez
Meursault é julgado não pelos fatos, mas por sua falta de emoção, pela ausência de discurso, por aquilo que não disse.
Isso ocorre diariamente nas empresas:
- Líderes são avaliados pelas conversas que não tiveram.
- Profissionais perdem promoções pelas iniciativas que não tomaram.
- Times sofrem pela falta de feedback, não pelo excesso.
- Culturas se tornam tóxicas por omissões silenciosas.
No mundo corporativo, o que você não faz pesa tanto quanto o que faz.
5. Camus, coaching e a construção de consciência
Coaching e mentoria têm papel crucial nesse contexto.
Porque, no fundo, o que faltou a Meursault — e o que falta a muitos profissionais — é:
- consciência das próprias emoções,
- clareza sobre propósito,
- capacidade de enxergar o impacto das ações,
- habilidade de escolher de forma madura.
Ao desenvolver essas competências, líderes saem do estado “automático” e entram no estado “autoral”.
Deixam de ser estrangeiros de si mesmos e passam a ocupar seu próprio lugar no mundo — e na organização.
Exemplo atual: o executivo que virou estrangeiro da própria equipe
Em uma das mentorias que conduzi, acompanhei um diretor de operações extremamente técnico. Competente, brilhante, dedicado — mas emocionalmente ausente. Respondia tudo com frases curtas, evitava conversas, parecia indiferente ao clima da equipe.
A empresa cresceu. O time também. Mas ele permaneceu fechado em si, tornando-se um estrangeiro dentro da própria liderança.
O “tribunal” veio na forma de clima organizacional deteriorado, turnover crescente e um time que simplesmente parou de seguir sua direção.
Foi preciso trabalhar consciência, presença, vulnerabilidade, comunicação e propósito. A transformação foi profunda — não porque ele mudou sua competência técnica, mas porque deixou de ser estrangeiro para se tornar líder.
E daí?
Camus não entrega respostas fáceis. Ele não pede que você admire Meursault, mas que o observe — e se observe através dele.
O Estrangeiro nos lembra que:
- viver no automático tem consequências;
- escolhas não feitas também são escolhas;
- a falta de consciência emocional pode destruir carreiras;
- autenticidade sem responsabilidade vira apatia;
- responsabilidade sem autenticidade vira teatro.
No mundo corporativo, isso significa:
ou você participa da própria história — ou será apenas julgado por ela.
E você?
Em que parte da sua vida você se tornou um estrangeiro — e o que vai fazer a respeito?
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